Américo Jones: “o Cinema não tem fronteiras”

Por Helena Sardinha Pereira

O que nasce numa escola pode transformar todo um território. Foi assim com o Festival Curtas na Margem, criado em Almada para dar visibilidade à criação audiovisual de jovens estudantes — e que hoje se alarga para o Barreiro, Lisboa, Seixal e Montijo, com a ambição de construir uma rede colaborativa entre escolas da Margem Sul e Norte do Tejo.

À frente do projecto está Américo Jones, que acredita no cinema como ferramenta educativa, linguagem de expressão artística e meio de participação cívica. Nesta entrevista, reflecte sobre o potencial de uma rede intermunicipal de festivais, a força criativa da juventude e o impacto transformador do cinema feito nas escolas.

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O “Festival Curtas na Margem” nasceu em Almada, mas rapidamente ganhou ambição regional. O que o levou a querer estendê-lo a outros municípios como o Barreiro?
O Curtas na Margem nasceu com o objetivo de dar visibilidade ao Cinema feito por jovens em contexto escolar, e desde cedo percebemos que este tipo de criação acontece também noutros territórios da Margem Sul, muitas vezes de forma isolada. Estender o festival ao Barreiro e a outros municípios é uma forma de promover a partilha, o diálogo e o reconhecimento mútuo entre escolas, professores e jovens criadores. A cultura não tem fronteiras municipais — e o Cinema muito menos.

Como vê esta articulação entre festivais escolares de curta-metragem que envolvem diferentes territórios da Margem Sul?
Vejo-a como algo natural e necessário. Existe uma energia criativa muito forte nas escolas da Margem Sul e articular as várias experiências ou, até, potenciar novas práticas entre os vários festivais ou iniciativas isoladas que acontecem em diferentes escolas, permite construir uma rede de apoio, inspiração e aprendizagem entre projetos que partilham objetivos semelhantes. É também uma forma de tornar mais visível o trabalho que se faz nas escolas, reforçando o papel da criação audiovisual na educação e na vida cultural da região. E não esqueçamos que Lisboa também faz parte deste eixo ribeirinho e que pode contribuir para o nosso festival com a visão dos jovens da “banda norte”.

Que potencialidades culturais e educativas identifica numa rede intermunicipal que ligue projetos como o Barreiro em Curtas e outras iniciativas locais?
Uma rede intermunicipal pode potenciar a circulação de obras, o contacto entre alunos e professores de diferentes realidades e o desenvolvimento de competências transversais como a comunicação, o pensamento crítico ou o trabalho colaborativo. Culturalmente, cria um espaço comum onde se valorizam as histórias locais e se reforça o sentimento de pertença. Educar através do Cinema é também educar para a diversidade, para o território e para o futuro.

Na sua opinião, que impacto pode ter esta colaboração regional na formação de públicos, na expressão artística juvenil e na afirmação da identidade local?
A colaboração regional pode ter um impacto profundo. Permite criar públicos mais atentos e críticos, que reconhecem o valor das produções locais. Para os jovens, é uma oportunidade de se exprimirem, de verem as suas ideias levadas a sério e de desenvolverem uma linguagem artística própria. Ao mesmo tempo, os filmes que criam são espelhos das suas vivências, do seu bairro, da sua escola, das suas preocupações. Tudo isto contribui para afirmar uma identidade local viva, plural e contemporânea. E, para todos os jovens, terem a possibilidade de verem as suas obras reconhecidas e exibidas publicamente em espaços dedicados ao Cinema é, também, um fator de grande relevo para nós.

O cinema feito por jovens tem sido uma força criativa surpreendente. Que qualidades destaca nos trabalhos que tem acompanhado nestes festivais?
Há uma autenticidade muito marcante no Cinema feito por jovens. Destaco a liberdade formal, a coragem temática e a frescura do olhar. Não têm medo de experimentar, de abordar questões difíceis ou de brincar com as convenções do Cinema. Muitas vezes, revelam um sentido estético e narrativo que surpreende, aliado a um compromisso muito forte com o presente e com o que os rodeia.

O que mais o entusiasma na ideia de criar um circuito de festivais escolares na Margem Sul do Tejo?
O que mais me entusiasma é a possibilidade de criar uma comunidade criativa em torno do cinema escolar, onde se trocam experiências, ideias e afetos. Um circuito de festivais permite que os filmes viajem, que os jovens se sintam parte de algo maior e que os projetos ganhem continuidade ao longo do tempo. É uma forma de mostrar que o trabalho feito nas escolas tem valor artístico, social e educativo.

Como imagina o futuro desta rede: mais descentralizada, mais colaborativa, mais visível? Que objetivos gostaria de ver concretizados nos próximos anos?
Imagino uma rede mais colaborativa, onde cada município, escola ou festival possa contribuir com a sua identidade e os seus recursos. Gostava de ver concretizada uma plataforma digital conjunta, com arquivo de filmes e recursos pedagógicos, sessões itinerantes nas comunidades, residências criativas para jovens e até uma mostra final que celebre o melhor da produção escolar participante deste regime de colaboração entre municípios. E, claro, mais visibilidade nacional para este trabalho que merece ser reconhecido.

Na sua perspetiva, que papel pode o cinema escolar desempenhar no cruzamento entre arte, território e cidadania ativa?
O cinema escolar é um espaço privilegiado de cruzamento entre criação artística, reflexão sobre o território e participação cidadã. Ao filmar o que conhecem, o que sentem, o que sonham, os jovens interrogam o seu lugar no mundo. Ao criar coletivamente, exercem valores democráticos como a escuta e o respeito. E ao partilhar os seus filmes com outros, afirmam-se como sujeitos ativos na construção cultural e social das suas comunidades.

Que mensagem gostaria de deixar aos jovens criadores, professores e parceiros que tornam possível esta rede de curtas-metragens na Margem?
A minha mensagem é de agradecimento e de confiança. Agradecimento pelo empenho, pela criatividade e pela coragem de acreditar que é possível fazer cinema com poucos meios, mas com muitas ideias. E confiança de que esta rede tem tudo para crescer, para transformar o olhar de quem a integra e para deixar uma marca positiva no território. Continuem a filmar, a imaginar e a partilhar. O Cinema precisa da voz dos nossos jovens.

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