Elsa Mendes: “As escolas podem ser eixos irradiadores de cultura”

Por Helena Sardinha Pereira | Julho 2025

Coordenadora do Plano Nacional de Cinema (PNC) e presidente do júri da primeira edição do Barreiro em Curtas, Elsa Mendes partilha a experiência de avaliar os filmes produzidos por alunos do concelho e reflete sobre o papel transformador do cinema no contexto educativo. Ao longo desta conversa, destaca os méritos da iniciativa, a forma como os jovens abordaram temas como a memória e a identidade local, e o potencial de articulação intermunicipal entre escolas da Margem Sul em torno do audiovisual. “Estamos a falar de escolas que agem sobre o território e o transformam”, afirma. Nesta entrevista, Elsa Mendes partilha a sua visão sobre o futuro do cinema nas escolas.

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Como avalia a experiência de ter presidido ao júri da primeira edição do Barreiro em Curtas? Que aspetos mais a marcaram?

Foi extraordinário ter presidido ao Júri desta primeira edição do Barreiro em Curtas! Entre muitos outros aspetos positivos, destaco três que associo claramente ao sucesso desta iniciativa: o conceito sólido e formativo do Barreiro em Curtas, a qualidade dos trabalhos submetidos, não só os trabalhos em si, mas a apresentação feita em palco por todos os alunos participantes e a adesão fantástica do público à iniciativa, nomeadamente o público jovem das várias escolas do Barreiro que estiveram presentes. Estão todos de parabéns!

Quais considera serem os principais méritos de um festival escolar de curtas-metragens como este, tanto para os alunos como para a comunidade educativa?

O principal mérito desta iniciativa é mostrar que a (s) escola (s) pode(m) ser eixos irradiadores de cultura e de capacitação dos jovens e isso tem uma carga fortíssima: estamos a querer falar de escolas que resgatam experiências culturais, patrimoniais e
históricas do território em que estão inseridas, tecem um ecossistema de cultura local e agem sobre ele. Como referiu Stuart Hall, pioneiro dos Estudos Culturais e ativista político, a cultura só pode ser um “local crítico de ação (…) e de intervenção».
Escolas que são capazes de criar cultura nestes termos são escolas emancipadoras porque valorizam a formação integral dos jovens e colocam-nos no centro do processo de aprendizagem.

De que forma projetos como o Barreiro em Curtas contribuem para os objetivos do Plano Nacional de Cinema nas escolas públicas?

Estes projetos são estratégicos para solidificar a missão do PNC, que tem como eixo principal a formação de públicos escolares para o cinema, nomeadamente português, promover a valorização do cinema enquanto forma de arte, em articulação com programas de literacia fílmica que possam ser desenvolvidos nas escolas, através de oficinas, formações, exposições, ciclos de cinema e deslocação de alunos à sala de cinema. É absolutamente fundamental que se assumam progressivamente estratégias de introdução do audiovisual e do
cinema nas escolas e é fantástico perceber que isso está a acontecer no Barreiro!

O que destaca na forma como os alunos abordaram temas ligados à memória, identidade local e linguagem cinematográfica?

Os alunos estão de parabéns, bem como as/os formadoras/es, por todo o processo de formação, apoio e criação desenvolvido com os alunos. Os resultados ficaram à vista de todos. Por um lado, os filmes evidenciaram qualidade e cuidado estético; por outro, o público ficou realmente a conhecer diferentes facetas da História e das memórias culturais do Barreiro. São registos extraordinários e parece-me que muito mais haverá a descobrir nos próximos anos!

Qual é, na sua opinião, o papel do cinema nas escolas como ferramenta de criação, expressão e pensamento crítico?

É importante que o cinema possa estar nas escolas de diversas formas: primeiro, através da fruição acompanhada de reflexão crítica e debate (José Fonseca e Costa, mas também Martin Scorsese ou Quentin Tarantino, entre muitos outros, sempre defenderam a fruição estética do cinema como elemento fundamental para formar o gosto do espectador de cinema, bem como sensibilizá-lo para valorizar o património cinematográfico); segundo, enquanto importante instrumento de apoio às aprendizagens de diferentes disciplinas, sendo esta a vertente mais frequentemente adotada nas escolas, porque, pelo imenso potencial temático do cinema, tem tido bons resultados nas aprendizagens dos alunos; em terceiro, como experiência completa de criação artística, combinando elementos narrativos, visuais, sonoros, cénicos, podendo revelar-se uma experiência profundamente transformadora no desenvolvimento de crianças e jovens. O sistema educativo não pode ser alheio a estes dados.

O que espera da próxima edição do festival? Há algo que gostasse de ver crescer ou aprofundar? A articulação com o Festival Curtas na Margem, que junta municípios como Almada, Montijo e Seixal, poderá alargar horizontes. Que potencialidades vê nessa ligação intermunicipal? Que impacto considera que um circuito regional de festivais escolares pode ter na valorização da cultura juvenil e na formação de públicos?

Desde há alguns anos, há um movimento neste sentido que vem das bases, de dinâmicas que são construídas a partir das escolas. O PNC acompanha a nível nacional dezenas de projetos escolares na área da educação cinematográfica e da literacia fílmica, concretizados através de parcerias e é preciso reforçar este movimento em todos os distritos. A colaboração entre escolas de diferentes concelhos com um objetivo comum em torno do cinema, neste caso em concelhos da margem sul do Tejo, é, podemos dizê-lo, um sonho que tínhamos já há algum tempo, é uma aposta em que acreditamos muito e, finalmente, surgiu a oportunidade de a concretizar porque há professores extraordinários, interessados em criar e dinamizar estas redes, de que são exemplo a Dra. Helena Pereira (ES dos Casquilhos, Barreiro), o Dr. Américo Jones (AE Francisco Simões Laranjeiro/Almada) e a Dra. Bernardete Lopes (ES Jorge Peixinho, Montijo). Tendo em conta que as crianças e os jovens têm de ter a oportunidade de conhecer e aprender a usar as ferramentas do audiovisual e do cinema, estamos convictos de que a colaboração do Barreiro em Curtas com o Festival Curtas na Margem (concelho de Almada) e provável alargamento ao Montijo e Seixal só pode dar muito bons frutos num futuro próximo!

Que mensagem gostaria de deixar aos alunos e professores que este ano participam (ou pensam participar) no Barreiro em Curtas?

Às e aos alunos, com a certeza de que descobriram, técnica e artisticamente, um mundo novo através do qual se podem expressar, reforçamos o desafio já lançado de, no próximo ano, continuarem a aproveitar esta oportunidade única de poderem aprender a fazer cinema.
Às e aos professores, as nossas palavras são de reconhecimento e admiração pelo extraordinário trabalho de inovação pedagógica que está em curso e no qual estão a participar. Em nome da equipa do PNC, obrigada a todos!

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